Domingão tem a Parada
do Orgulho Gay (vamos chamá-la assim – veja post anterior), e nada
melhor do que a gente aproveitar para discutir o evento aqui no blog.
Em primeiro lugar, como
já escrevemos em outros momentos, temos um sério problema com o
termo “orgulho”. Tradução direta da palavra “pride”, em
inglês, acaba gerando um discurso um tanto quanto problemático.
Orgulho, em português, possui duas acepções básicas que não se
adequam ao que se pretende com a expressão “Orgulho Gay”. O
primeiro sentido é positivo, o de reconhecer o próprio mérito (ou
o de outrem) por algo feito. Por exemplo: ter orgulho de um trabalho
bem realizado, ter orgulho do filho passar no vestibular etc. O segundo
sentido é negativo: orgulho como manifestação de soberba, o vício
de excesso de autoestima. Como podemos ver, não faz sentido falar em
orgulho gay: não há mérito algum em ser gay, é apenas uma
condição involuntária. E, convenhamos, só na cabeça de um maluco
se pode pensar que a Parada é para impor uma soberba, para mostrar
que ser gay é melhor do que ser hétero.
O que está em jogo,
com a expressão “Orgulho Gay”, é outra coisa., e a palavra não
ajuda nada a explicar. O tal “orgulho”, aqui, é o que, na
semiótica, a gente chama de “não-vergonha”, ou seja: a negação
de um valor negativo. O que a Parada do Orgulho Gay visa é fazer com
que os indivíduos homossexuais possam – mesmo que por apenas um
dia – manifestar não apenas a aceitação da própria sexualidade,
como demonstrar que não há motivo algum para ter vergonha dela.
E o que a Parada Gay se
transformou, nos últimos tempos?
Numa espécie de “carnaval fora de época, com pessoas dançando
nas ruas e totalmente alienadas de qualquer questão política”.
Muitos gays fazem este tipo de colocação em relação à Parada, e
maridão e eu percebemos alguns equívocos nesta análise. Se
o objetivo da parada é promover o “orgulho gay”, no sentido de
“não-vergonha” da própria condição sexual, o fato dela se
transformar numa rave a céu aberto é um claro sinal, não de
deturpação, mas de que os objetivos estão sendo alcançados. Se as
pessoas se dispõem a ir a público celebrar a data, sem receio de
demonstrar sua homossexualidade de forma aberta e tão alegre, é
sinal de que não estão envergonhadas, clara manifestação de
“orgulho gay”, não?
“Pô,
mas tem um pessoal que exagera na vulgaridade!”. Concordamos, é
claro. Mas vamos combater a causa real disso: falta de noção de
civilidade. São pessoas que não sabem perceber que a vida em
sociedade possui limites norteadores e que não podemos fazer o que
quisermos, onde quisermos, na hora em que quisermos: há um limite
entre a esfera pública e a privada – e ele vale para todos,
independente da orientação sexual. Quem acha que tem direito de
sair pelado na rua, de fazer sexo a céu aberto e coisas do gênero
está cometendo, convenhamos, um crime: atentado violento ao pudor. O
fato de ser gay ou hétero não faz diferença.
“Mas
esses gays da Parada queimam o filme dos gays normais.” Neste ponto
a gente discorda totalmente! Infelizmente o marxismo militante
conseguiu inventar algo que hoje passa por natural, e é a
base desta afirmação: a mentira de que os gays constituem um tipo
de “classe” e que a homossexualidade seria um elo ideológico
entre os gays. Se a gente voltar no tempo, não existia
essa noção de “os gays” como um grupo. Essa ideia foi criada,
por motivos políticos, e muita gente reproduz preconceitos baseados
nela. O fato de dois indivíduos serem homossexuais não faz com que
eles compartilhem uma identidade. O que você, leitor, tem em comum
comigo? Ou com o seu próprio namorado? Posso afirmar, com certeza,
de que nem sobre “o que é ser gay” a gente pense a mesma coisa.
Voltando à parada: as pessoas não estão ali representando as
outras que ficaram em casa, elas estão ali representando a si
mesmas, enquanto indivíduos.
“Pô, mas as pessoas olham aquilo e
pensam que todo gay é daquele jeito”. Convenhamos, novamente se
está vendo o problema do lado errado: quem está enganado é quem
generaliza um comportamento! Se eu vir um cara branco andando
plantando bananeira na rua, eu não vou dizer que todos os homens
brancos fazem isso, porque é ridículo generalizar o comportamento - e é ridículo falar em “classe dos homens brancos”. As pessoas
só vão achar que “todo gay é assim” porque a gente insiste em
afirmar o erro de que os gays são “uma classe”.
"Então
não é contraditório afirmar que uma Parada Gay tenha algum tipo de
validade?" Não, se a gente passar a ver a questão sob uma outra
ótica: ali estão alguns milhões (menos do que é divulgado, é
verdade) de indivíduos manifestando – voluntariamente - sua individualidade. E quando a sociedade passa a ver os gays como
pessoas individualizadas, só temos a ganhar.
Não
custa lembrar: a participação na Parada é de livre iniciativa
individual, ninguém é forçado a ir. E você tem todo o direito de
não se sentir representado pelas pessoas ali presentes, é claro. Pode até se identificar ou não, só
não vale querer enfiar todos ali num grande armário.