terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Gays Moradores de Rua

Matéria publicada neste domingo no jornal Folha de SP fala sobre uma situação que muitas vezes passa desapercebida pelos habitantes das grandes cidades: os moradores de rua homossexuais. A primeira parte da matéria mostra os depoimentos de quatro desses moradores (foto), e é a parte mais interessante do texto. Eles contam como tiveram de deixar seus lares ao assumirem a homossexualidade, assim como sobre a vida nos abrigos da capital paulista. Leia a íntegra aqui.

A matéria vai por outro caminho, mas eu não posso deixar de pegar num outro ponto. Sempre me incomoda essa quase imposição para que as pessoas saiam do armário indiscriminadamente. Há sempre uma fantasia de que a pessoa será sempre mais livre e mais feliz. Pode me chamar de apologista da hipocrisia, mas acho que um jovem só deve sair do armário se preenche pré-requisitos básicos: caso sua vida realmente vá melhorar, e, principalmente, se você é dono do próprio nariz (ou sabe que sua família vai aceitar). Do contrário, nada como o conforto de um belo closet. É melhor aguentar por um tempo a barra de ter de mentir/omitir sobre sua orientação sexual (que no fundo, só interessa a você e seus parceiros) do que a dureza de mendigar e ir morar na rua. Mais vale um armário apertado do que a vastidão de uma vida nas ruas. Quem disser o contrário, com certeza é da boca pra fora. Não há poesia alguma em passar fome, frio e humilhação todos os dias da semana.

A parte ruim da matéria, só disponível aos assinantes, é justamente quando eles ouvem um especialista no assunto, que disse algumas das maiores sandices que eu ouvi em décadas, ao comentar sobre a vida dos moradores de rua gays em albergues:

"A dificuldade das instituições voltadas à população de rua em lidar com jovens LGBT sem-teto deve-se ao fato da maior parte destas instituições serem ligadas a organizações religiosas, onde a homossexualidade é muitas vezes fortemente criticada. Outro fator relaciona-se à dificuldade por parte de gestores e funcionários de albergues em lidar com um segmento (felizmente) bastante sexualizado. Se a cama é para dormir e o banheiro para tomar banho, seu uso para outros fins é visto frequentemente como um desrespeito à finalidade do albergue. Por este motivo, é imprescindível um investimento em formação junto aos funcionários destas instituições para um acolhimento da população LGBT de rua que respeite suas especificidades. "

Se eu entendi direito, segundo o especialista, o albergue está errado ao não permitir pegação no banheiro ou transformar os quartos em motel? Menos, né? É exatamente este tipo de vitimismo que me deixa puto da vida. Se o morador de rua hétero também não pode, então não é exatamente preconceito contra o gay! Estamos falando de direitos ou de privilégios? O albergue realmente é para impedir que os caras durmam na rua, para que possam tomar banho, se alimentar. Impedem que o gay faça isso por ser gay? Não. É preciso investir na formação do funcionário que reprime este tipo de conduta ou na conscientização do morador de rua gay, de que é preciso respeitar o espaço do outro? É claro que todo mundo tem direito à sexualidade, mas no convívio social o exercício da sexualidade não acontece na hora e no lugar que te dá na telha. Há regras a se respeitar. Se a situação do morador de rua gay está ruim, é preciso tentar melhorá-la, e não incentivar justamente o oposto...

Confesso que desde moleque sempre tive medo de parar nas ruas. Não por ser gay, até porque eu nem tinha ideia disso. Ficava com medo de não arrumar emprego, ou dos meus pais morrerem, ou do meu pai perder nossa casa por causa da bebida, essas coisas. Felizmente, não foi assim. Maridão não pode ver uma criança de rua. Desmonta na hora. Se pudesse, adotava todas. Sempre ajuda, e mesmo ajudando, passa o resto do dia se culpando por não ter resolvido a situação. No ano passado mesmo chegamos e ver algumas coisas pra fazer em relação aos moradores de rua gays, dentro das nossas possibilidades.

Acredito que iniciativas devem ser tomadas, sejam individuais ou pelo poder público, principalmente dando condições para que essas pessoas possam sair desta situação e se manter por conta própria. O Centro de Referência da Diversidade, aqui em SP, possui um belo trabalho neste sentido, dando cursos , oficinas e apoio psicológico, social e jurídico. Iniciativas como a do Casarão GLS, de construir um abrigo para moradores de rua gays também possuem seu mérito.

Numa cidade grande como São Paulo a gente acaba se acostumando à visão de pessoas morando nas ruas, elas passam a fazer parte da paisagem urbana. Segundo a reportagem, há um total de 13.666 moradores de rua na cidade. Já parou pra pensar que 10% podem ser gays?

8 Comentários:

Alexandre Willer Melo disse...

concordo em gênero, número e grau com tudo que você disse aqui.

ia evoluir o assunto aqui mas não vou não, você disse tudo e disse bem.

nota: dá pra mandar esse 'especialista' estudar um pouco mais?

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

Estamos falando em direitos ou privilégios! mais q perfeito ... efetivamente muita coisa a ser feita, seja por ações individuais, coletivas ou governamentais ... mas q fique claro ... com enfoque nos direitos e deveres e sem qualquer tipo de privilégio ...

;-)

Alexandre Willer Melo disse...

eu vi o documentário mas acho que renderia muito mais tempo de 'filme', não?

FOXX disse...

o que raramente acontece, mas concordo com tudo q vc disse nesse texto... de verdade!

Unknown disse...

Este vai ter unanimidade. Irretocável nos seus argumentos!

Unknown disse...

Dois: não se trata de assumir a homossexualidade. As crianças e os adolescentes com trejeitos muito afeminados, muito pobres e com pais desajustados, na maioria das vezes, sofrem violência doméstica sem assumirem nada, mesmo porque eles não têm estrutura nem abertura para isso. Muitos destes pais os expulsam de casa após espancá-los quase diariamente pq sentem ódio e vergonha de terem filhos assim. Os que podem esconder a homossexualidade têm o benefício de permanecer no lar até terem condições de sustento. Não me pareceu o caso dos 'sem-teto' mostrados nesta matéria.
Com relação ao depoimento do especialista, transcrito por vc, fiz uma leitura diferente da sua.
No final, há um complemento que talvez tenha passado sem perceber: "...para um acolhimento da população LGBT de rua que respeite suas especificidades".
O que ele quis dizer, a meu ver, é que os funcionários dos albergues estariam generalizando a população LGBT de rua, dando-lhe um tratamento grosseiro por conta do uso inadequado, de alguns deles, das instalações dos albergues. Se for o caso, ele está certo. Assim como tais funcionários só se rebelariam contra os moradores héteros que fossem flagrados transando no banheiro, por exemplo, eles devem proceder da mesma forma com os sem-teto gays. Respeitá-los quando corretos e adverti-los quando merecedores.
Pelo que entendi, eles estão preterindo a população gay de forma generalizada.
Beijos.

Wans disse...

Eu li essa reportagem no domingo e me deu um aperto no coração. O sujeito vive na rua, apanha dos outros moradores de rua e ainda são recusados em albergues? Porra, minha vida tá ótima!

Fred disse...

Agora vou precisar refletir um pouco. Pois confesso que nunca me flagrado dessa situação. É terrível essa minha vida vazia e alienada. Hehehe!
PS: Louro e que curte futebol?

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