segunda-feira, 5 de março de 2012

A Cura da Homossexualidade

Volta e meia o tema da cura da homossexualidade reaparece e alimenta debates inflamados. Para ser mais fiel às palavras, acho que nem dá pra falar em debate sobre qualquer assunto no Brasil, pois só é possível debater quando um lado escuta o outro, ou pelo menos aceita como legítimo o direito do outro à discordância.  Mas deixando as questões filosóficas de lado, vamos voltar à boa e velha viadagem que é tema do post. Na postagem anterior (aqui) eu pedi aos leitores que contassem como se deram conta de que eram gays. O objetivo era mostrar que não estamos aqui falando de algo teórico ou de mera estatística, estamos falando de SERES HUMANOS, de INDIVÍDUOS com uma história de vida, com seus medos, questionamentos. Pessoas de verdade, que sofrem e superam as adversidades da vida, e não de uma classe ou categoria abstrata.

Como ficou bem claro nos depoimentos, muitos de nós se deram conta de que eram “diferentes” dos demais garotos e garotas já na mais tenra infância, antes até de entrarmos na escola. Esta diferença, evidentemente, não pode ser atribuída a uma escolha consciente, nem à má influencia do meio. Uma criança de tal idade, quase que 100% em convivência com os pais, não sofre influencia do meio externo que determine tal mudança de paradigma. Do mesmo modo, uma criança de 4 ou 5 anos não possui maturação para decidir ser gay. Ela simplesmente é e nem sabe o que é isso, está sendo ela mesma – e geralmente só vai perceber que é diferente quando as pessoas ao seu redor mostrarem que isso é errado. Além disso, uma criança desta idade ainda não tem noção alguma do que seja sexo, então é desumano atribuir a homossexualidade a um desvio de caráter, a uma perversão de um individuozinho de 5 anos!

Quero crer que um pai e uma mãe não têm a menor noção do mal que são capazes de causar ao seu filho por conta da repreensão de sua homossexualidade. Todos nós passamos por isso. Quantos de nós não crescemos ouvindo que ser gay é uma coisa terrível, que é melhor ter um filho bandido ou morto, que Deus não aceita, que todos vão parar no inferno? Se os pais soubessem o quanto a criança que escuta isso sofre, tenho certeza de que deixariam de fazê-lo. Se mesmo assim o fizessem, temos de repensar quem nessa história possui um desvio de caráter. Não estou dizendo com isso que os pais devam incentivar qualquer tipo de comportamento de seus filhos, digo apenas que a criança que não se sente acolhida em seu próprio lar vai sofrer muito, mas muito mesmo! Um sofrimento absolutamente desnecessário, e que poderia ser evitado, já que a criança NÃO TEM CULPA DE SER GAY.  

Nestas condições, as chances de ter um destino pior são gigantescas. Quem leu os depoimentos viu que a grande maioria dos leitores tentou mudar sua sexualidade para ser aquilo que se esperava deles. O sofrimento de se descobrir gay, não ter culpa alguma por isso e mesmo assim ser considerado “culpado” é uma tortura diária, tendo de fingir, se policiar a todo instante para que ninguém desconfie. Maridão conta que fez até promessa. Posso dizer com 100% de certeza que TODOS os gays da minha geração e das anteriores tentaram “jogar no outro time”. Todos, sem exceção, tentaram ser heterossexuais.  Todos fizeram de tudo para não decepcionar a família, para serem pessoas “normais”.

Ainda hoje, nós, gays acima de 25 anos, não nos aceitamos tanto assim quanto gostamos de dizer. Nós ainda nos chocamos quando vemos um casal gay andando de mãos dadas fora do gueto. Nós não andamos de mãos dadas ou beijamos nossos parceiros em público e gostamos de dizer que é por causa da homofobia da sociedade. Mentira: não fazemos isso porque, lá no fundo, achamos que isso é errado. Somos mais homofóbicos do que os heterossexuais, no real sentido da palavra. Poucos admitem, mas de alguma forma nós não nos livramos de tudo aquilo que aprendemos desde pequenos. É difícil mudar a nossa mentalidade. Não estou dizendo que temos culpa por isso, só estou querendo mostrar que certas feridas demoram a cicatrizar, e muitas vezes não se curam. Seja sincero consigo mesmo e verá que não estou mentindo.

Falei dos homossexuais acima de 25 anos pois esta é, felizmente, uma diferença que noto nos gays mais jovens: eles saem do armário ainda na adolescência, a maioria não acaba passando pela fase de rejeição que nos atormentou, vivem num mundo mais aberto ao gay - e alguns ainda têm a sorte de nascer num lar mais tolerante. Não por isso, não costumam se identificar com o discurso dos militantes, que também não os entendem e os acusam de alienados. Eu prefiro pensar que essa geração vai fazer a diferença de verdade. Serão eles que vão levar adiante uma nova visão da homossexualidade. Deixando nossa arrogância de lado: temos mais a aprender com eles do que a ensinar.

Recentemente o deputado João Campos (PSDB-GO), líder da Frente Parlamentar Evangélica, apareceu com um projeto visando sustar dois artigos instituídos em 1999 pelo Conselho Federal de Psicologia, proibindo os psicólogos de oferecer tratamento “contra” a homossexualidade. Entendo a proibição do órgão em casos em que a pessoa não quer ser "curada" e é forçada pela família, pela igreja ou qualquer outro ente exterior, mas gostaria de que a pessoa adulta que fosse procurar este tipo de “tratamento” por livre e espontânea vontade pudesse ter seu sofrimento diminuído por um profissional habilitado. Não atiro a primeira pedra em quem quer se "curar" da sua homossexualidade. Tenho telhado de vidro, já quis muito não ser gay e sei como uma pessoa pode sofrer por isso. Não acho que a homossexualidade seja doença ou que seja algo reversível (até por isso acho que é desumano os pais tentarem mudar a sexualidade do filho, mas acho que a pessoa que sofre merece receber ajuda e tomar suas decisões como indivíduo), mas esta não é exatamente a visão da medicina.  

Maridão trabalhou em hospital por muitos anos de sua vida, e quando o visitava por lá acabei descobrindo o Código Internacional de Doenças, o CID-10. Lá estão listadas todas as doenças (físicas, mentais, comportamentais) que podem ser tratadas por um médico. A homossexualidade foi retirada do livro já faz algumas décadas, mas há um ponto que permanece e merece observação, no CID-10 F66, que trata dos “Transtornos psicológicos e comportamentais associados ao desenvolvimento sexual e à sua orientação”. Lá existe o item “F66.1 - Orientação sexual egodistônica”. O que diz o CID:

F66.1 Orientação sexual egodistônica: “Não existe dúvida quanto a identidade ou a preferência sexual (heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade ou pré-púbere) mas o sujeito desejaria que isto ocorresse de outra forma devido a transtornos psicológicos ou de comportamento associados a esta identidade ou a esta preferência e pode buscar tratamento para alterá-la”.

Segundo o CID, “a orientação sexual por si não deve ser vista como um transtorno”, mas ele diz que a pessoa pode buscar tratamento para alterar sua identidade ou preferência sexual, se ela configura um transtorno. Isso não é a mesma cura gay? Como fica um paciente diagnosticado com este transtorno? O psiquiatra pode ajudá-lo a ser quem ele gostaria de ser ou vai tentar mostrar a ele que ele deve se assumir como algo que não deseja? Acho tudo isso bem complicado: uma pessoa pode se submeter a uma cirurgia  com risco de morte para mudar de sexo, mas não pode fazer um tratamento para mudar de orientação sexual? Por que não considerar que ambos os sofrimentos são legítimos? Ou a questão acaba sendo mais político-ideológica do que sexual? 

Com minha experiência de vida, se tivesse de dar um conselho, diria que tudo fica mais fácil quando a própria pessoa deixa de acreditar no que aprendeu sobre a homossexualidade e passa a viver sua vida com a naturalidade que tinha, quando criança, antes de ouvir que aquilo era errado. É um processo difícil, mas que compensa. Ninguém veio ao mundo para viver a vida de outra pessoa, para ser um ator interpretando um papel. Se você ainda não se aceita, experimente dar um passeio pelo gueto gay, veja que nele há pessoas de todas as formas, que nem todos os gays são iguais, e que você não precisa ser um tipo de gay que vai contra sua essência. Vale a pena pelo menos para conhecer, para conversar com outras pessoas que já passaram por isso, ser ouvido. Normalmente a gente passa por essa sozinho, mas tendo ajuda é muito mais fácil. Acredite: ser gay NÃO é um castigo, NÃO é um fardo, NÃO é uma doença - e principalmente, NÃO É ERRADO. E, acima de tudo: você não precisa viver única e exclusivamente em função de sua orientação sexual, ela é só mais um elemento de sua essência. E se precisar de ajuda, estamos aqui, tentando mostrar em cada post que ser gay não é esse monstro que muita gente insiste em pintar. 

Ps. Cura contra homossexualidade eu não conheço, mas remédio de gay é r#%@! 
 .

14 Comentários:

Junior Healy disse...

Coincidentemente estava lendo uma materia falado da idiotisse do tal deputado minutos antes de ler o seu texto. Em seguida estava lendo a materia sobre um garoto que suicidou-se no Espirito Santo devido ao Bullyng que sofria por sua sexualidade na escola.

Se esse deputado evangelico se desse conta do quão cruel ele esta sendo ao tentar criar um projeto desses que incentiva o ódio.

Cura pra homossexualidade não existe, mas educação combate o pre conceito.

Alex da Mata disse...

Nossa...Espetacular!!!POst expetacular com coisas que penso tb..Parabens...
olha ...concordo quando vc disse que nós... dos 25 anos... ainda sofremos em consequencia da pressão que sofremos....espero que a nova geração lute e passe por ideais de valor e concretos...não que vão atras de definir se são gays ou emos....e sim se se aceitam e que fodam-se toda e qualquer forma de preconceito que seja de pais e ateh de estranhos...e que o melhor remedio é este mesmo que o blogayro expressa seste post...adorooooooooooo!!!

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

Querido, acho q este se inclui entre um dos melhores posts de vcs ... Claro, didático, objetivo, sem neuras, consciente e retrata muito bem o tema ... Parabéns ...

FOXX disse...

acho q vc não entendeu...
o transtorno egodistônico é quando vc tem uma orientação sexual e não a aceita, o que tem q ser tratado ai não é mudar sua orientação, a doença a ser tratada é cuidar para que vc aceite sua orientação, o que causa o sofrimento, neste caso, não é a orientação sexual é a falta de aceitação. se trata a causa da doença, não os sintomas.

mas concordo plenamente, não demonstramos carinho por causa da homofobia e sim porque consideramos aquilo errado... o que no fundo tb é nossa própria homofobia né?

Cesinha disse...

O post está ótimo, maravilha, parabéns! Mas, concordo com o Foxx. E quanto ao CID-10... não se presta a isso. Alias, não sei para o que presta, a não ser tentar uma uniformidade (vã) em termos de diagnóstico. Eu trato doentes e não doenças.

Abraços.

Alex M. disse...

Um dos melhores textos que já li a respeito do assunto. Escrito por quem, definitivamente, entende na pele, como cada um de nós que também já passados mos 25!
Corajoso, por abordar alguns aspectos frequentemente camuflados ou negados por muitos!
Parabéns e obrigado!

AugustoCrowley disse...

Sem o que acrescentar , apenas parabenizo o texto.Perfeito!Bjs e boa semana!

Anônimo disse...

Parabéns, belo texto. Quanto a prescrição do remédio adorei, estou precisando rsrs.

Anônimo disse...

Parabéns, belo texto. Quanto a prescrição do remédio adorei, estou precisando rsrs.

Anônimo disse...

Parabéns, belo texto. Quanto a prescrição do remédio adorei, estou precisando rsrs.

Anônimo disse...

Um do melhores post que já li sobre este assunto. Acrescento que gays que vivem em cidades pequenas, até os mais jovens sofrem muito com o preconceito, eu mesmo, no alto dos meus 21 anos tenho os mesmos medos que meu companheiro(com mais de 30) em expressar qualquer afeto em público.

Fred disse...

"Você não precisa viver única e exclusivamente em função de sua orientação sexual"! Já te chamei de "meu herói" hoje????? Hehehe!

E ri litros com a saga do "maridão versus absinto"... ele é fraquinho pra coisa, pelo visto. Pobre do rapaz nas tuas mãos, hein??? Hehehehe! Hugzaaaaaao!

Marina disse...

Desculpa se eu tiver entendido mal o seu texto, mas passou a impressão de que você defende que se alguém QUER realmente mudar a sua orientação então deveria poder tentar, por que todos nós que passamos por isso em algum momento desejamos isso também... Se for isso, como vai melhorar a situação alguém ficar nos falando que é melhor ser hetero mesmo, que ser gay é errado, que pode ser mudado? É claro que existe tratamento para os problemas psicológicos trazidos pela homofobia da sociedade e a internalizada, isso não tem nada proibido, o que é proibido é um psiquiatra "tratar" o homossexual (mesmo que ele queira!) para se tornar heterossexual.
É aquela coisa, você NÃO pode se matar por que quer, NÃO pode se machucar por que quer, NÂO pode se submeter ao que faça mal a si mesmo por que quer. É a lei, e na minha visão, está corretíssima, pois uma pessoa só faz mal a si mesma quando não está em sua sã consciência.

Anônimo disse...

Apesar de estar sem tempo ultimamente, adoro ler teus posts.
Abração.

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