De Como Eu Não Virei Padre...
Nesta semana faz inacreditáveis 15 anos que o Renato Russo morreu (antes ele do que eu...). Como o tempo passa! Confesso que nunca fui lá grande fã da Legião Urbana, na época não me agradava aquela idolatria quase messiânica à figura do vocalista, os fãs com devoção beirando a histeria religiosa (mesmo fenômeno que se dá até hoje em relação ao Morrissey: adoro sua música, mas seus fãs são um porre. Certa vez eu disse nua comunidade do Orkut que gostava apenas da música, mas não simpatizava com o Morrissey “pessoa”. Quase fui linchado em praça pública por caras que sabem da quantidade de fios de cabelo do cara a quantas vezes por dia ele vai ao banheiro. Fanatismo sucks...).
Mas, voltando ao Renato, ainda me lembro como se fora hoje do dia de sua morte, pois foi um marco para minha geração. Como boa parte dos meus contemporâneos, eu era um adolescente gay deprimido, sozinho em meu quarto, me dedicando a ler muito, escrever poesia ruim e ouvir música depressiva, perdendo meu precioso tempo com bobagens enquanto os outros garotos viviam, se divertiam e pegavam todas as meninas. É lógico que tem seu lado bom: você adquire uma belíssima bagagem cultural (praticamente tudo o que mereça ser lido da literatura mundial eu devorei nesta fase), mas o preço é alto demais, e muita gente acaba cometendo uma besteira (it get’s better, não se esqueçam). O que me “salvou” de um destino assim foram duas coisas totalmente distintas. A primeira foi o futebol, a segunda foi a música. Eu conseguia ser o maior nerd da escola, mas inacreditavelmente era o melhor jogador, o primeiro e ser escolhido quando montavam os times nas aulas de educação física, o herói da molecada mais nova quando jogava pela seleção nos campeonatos estaduais. Participei de vários campeonatos, viajei bastante. Era a ovelha negra do time, literalmente: o adolescente gótico em meio aos pagodeiros. Mas não era uma tortura, eu entrava na onda, e mesmo com meus cabelos tingidos de roxo (podem sentir vergonha alheia) eu vi shows de todos os grupos de pagode dos anos 90. Até hoje gosto e sei cantar tudo do Raça Negra, e talvez por isso não seja radical no quesito "música"... Sei que não foi uma fase lá muito boa, mas hoje em dia, quando penso a respeito, lembro da época como algo divertido. Como diz o maridão, a gente sempre pinta o passado com cores mais vivas.
Quando percebi que era gay, ser homossexual era uma coisa assustadora. Talvez hoje seja diferente, a aceitação é maior e os jovens e a sociedade como um todo parecem lidar com muito mais naturalidade com isso (ainda bem!). Naquela época, virada dos anos 80 para os 90, as coisas não eram tão explícitas, e as referências "gays" que eu tinha pela TV ou no bairro não eram aquilo que eu era, muito menos o que eu queria ser. E havia sempre um medo de não gostar "da fruta", e estar fadado a entrar para um seminário e virar padre... Renato Russo e Morrissey marcaram esta fase da minha vida, escutava suas letras e achava alguns pontos que me falavam diretamente. Como não ouvir versos da Legião como estes e não captar o "sentimento gay" nas entrelinhas?
“Faço nosso o meu segredo mais sincero.../Teu corpo é meu espelho e em ti navego” (Daniel Na Cova Dos Leões)
“Acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto”. (Teatro dos Vampiros)
“Jesus foi traído com um beijo/ Davi teve um grande amigo/ não sei mais se é só questão de sorte...” (L'Âge D'Or)
“O que sinto muitas vezes faz sentido e outras vezes não descubro um motivo/Que me explique porque é que não consigo ver sentido/ No que sinto, que procuro, o que desejo e o que faz parte do meu mundo. O arco-íris tem sete cores...” (Eu Era Um Lobisomen Juvenil)
“E eu gosto de meninos e meninas/Vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre/Vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente...” (Meninos e Meninas)
Depois da morte do Renato, voltei a ouvir suas músicas, já que meu irmão - que é grande fã e tem a discografia completa da banda – ainda morava aqui, antes de se casar. Hoje vi uma entrevista com o Renato na MTV, parecia outra pessoa. No fundo, ele era o mesmo, eu é que mudei e não sou mais aquele garoto perdido dos anos 80 (agora sou outro tipo de "perdido", e não mais tão "garoto"). Hoje eu sei quem eu sou, e sei que o que sou me faz alguém realmente feliz. Pelo menos para mim, ser gay é bom pra c@&@$#*!!!!!!!!!
E assim a igreja católica perdeu mais um padre enrustido...
9 Comentários:
Hahahahaaha... A frase final é antológica...
Abraços!!
Nunca fui fanático, mas sempre serei fã. Imagino o que estaria cantando o Renato hoje em dia. Enfim... 15 anos já? Putz, foi-se o tempo em que podia dizer "mas isso é metade da minha vida!"
(John Grant na vitrola...)
concordo, a frase final é antológica.
eu tb era um adolescente deprimido q ouvia Legião, mas não era gótico e péssimo no futebol, e acho q o q me salvou foi a mitologia e quadrinhos... mas eu não conheci o Renato Russo, qndo fui conhecer a banda, eu estava no primeiro ano do ensino médio, um ano depois da morte do Renato.
é... para quem viveu esta época e ainda está por aqui hoje, percebe quão diferente estão as coisas. Está ficando tão fácil ser gay que é quase moda. Será que a direção é a banalização? Concordo que o passado tem cores mais vivas, mas no meu caso, são cores de terror. Não voltaria para esta época nem fudendo, ainda bem que envelhecemos...
também lembro de sua morte mas sinceramente a música dele não amadureceu junto comigo e nem é tão significativa pra mim mas reconheço que foi importante para toda uma geração
Como tu bem disse: antes ele do que nós, nzé?
Eu nunca fui fã do Renato por causa dos fãs loucos dele. Para as pessoas, Renato é O Messias, realmente e literalmente. Odeio fanatismo cego e por causa destes fãs achava o Renta UM PORRE! Depois de 10 anos da morte dele, foi que comecei a simpatizar com as musicas, porém, não com a pessoa Renato.
Nunca estive neste dilema de se descobrir gay, aceitação e blá blá blá nunca fiquei castigando-me ou deprimido por isso. Sempre foi muito claro para mim.
Já eu sempre fui fã do Legião. Muitos shows, mas foi nos shows mesmo que fui me 'desencantando' com o Renato. Achava ele meio pernóstico.
Num deles, estava bombando a música Índios. O público gritava, pedia pra ele cantar ao final de cada música cantada. Ele se irritou e deu um sermão no pessoal. Algo assim:
"Vcs ficam aí pedindo Índios, Índios, mas nem sabem o que essa música representa de verdade. Não sabem de nada. Só acham a música bonitinha pra ficarem dançando..."
Aí, pensei: poxa, quem ele pensa que é pra duvidar de nossa capacidade interpretativa? Ele devia agradecer as tantas pessoas q apreciam o seu trabalho, seja de q forma for, né não?
Enfim, esse foi o Renato Russo.
Me marcou isso aí.
Bjaum.
Fã de Belle & Sebastian, Morrissey e Legião reralmente são uns sacos. E embora eu saiba a importância dos dois últimos na cena musical, nunca fui muito chegado a eles.
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