segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores de Novo


Vocês já devem estar carecas de saber, mas neste final de semana houve um novo ataque a um gay em SP, bem perto de onde acorrera aquele em novembro. Estava em Marte? Aqui. Na época, escrevemos a respeito. Aqui. O acontecido no último sábado só confirma o que a gente disse naquela oportunidade: a homofobia era só um efeito colateral.
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Quando ocorreu aquele atentado na Paulista, a sociedade inteira ficou chocada e repudiou os atos criminosos, com toda a razão. Após a revelação das gravações das câmeras de segurança, a justiça acabou prendendo os envolvidos. Segundo o promotor da Vara de Infância e Juventude, Tales Cesar de Oliveira, os quatro menores devem ser julgados ainda este ano, até o Natal. Todos foram internados na Fundação Casa (antiga Febem), e responderão pelas acusações de tentativa de homicídio e formação de quadrilha.
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Toda a exposição e o repúdio geral foram suficientes para inibir novos atos? Claro que não. Quero crer que ela até serviu de propaganda para esse pessoal que cometeu o novo crime. Fico imaginando o grupo se reunindo e tramando: "bater em nordestino, negro, punk, emo, skinhead, pinguim mutante é muito 2009. O que dá Ibope agora é bater em gay. Mas tem de ser na região da av. Paulista, se for na periferia não dá Ibope." E mais uma vez a cena se repetiu. E mais uma vez o foco dos blogs gays e da imprensa recai sobre a orientação sexual das vítimas, quando o correto seria focar nos agressores.
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E focando nos agressores (em ambos os casos), o que temos? Pessoas de uma geração mais velha, com outra visão de mundo? Pessoas com valores sólidos muito diferentes dos gays?Pessoas que receberam uma criação ultraconservadora e religiosa? É claro que não! Vítimas e agressores são pessoas da mesmíssima geração! Provavelmente possuem muito mais coisas em comum do que diferenças. Não se trata de um grupo religioso que se opõe aos gays com base na Bíblia, nem de caras de 50/60 anos assustados com o mundo moderno. São caras que querem varrer os gays da face da terra? Acho que não, a meu ver são apenas idiotas que escolhem o crime como diversão. Retardados babacas que merecem uma punição rigorosa, não para servir de exemplo aos demais, mas para punir quem cometeu um crime mesmo.
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Vejo muita gente que não leu o PL 122 achando que se trata de uma lei que vai acabar com a homofobia, o que evidentemente não é: não é uma lei preventiva, é uma lei punitiva. Há um abismo entre as duas coisas. Ela não previne, pune o crime depois que acontece, como todas as demais leis. As pessoas que cometem crimes sabem que estão agindo contra a lei. Quem rouba, mata, estupra etc sabe que tudo isso é crime, e não é a existência de lei mais ou menos severa que os impede de cometê-los. Em alguns casos é até o contrário: a existência da lei é um tempero a mais. O proibido é sempre mais gostoso, como dizem. A "graça" é justamente se sentir subversivo.
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Quando eu era adolescente, frequentava as velhas casas noturnas alternativas de SP - como Madame Satã, Espaço Retrô, Nation -, e sair pela noite era uma aventura arriscada. Havia muita rivalidade entre os grupos, uma tribo odiava a outra. Eu era gótico, o que fazia de mim um alvo móvel de várias outras tribos. Gótico era o infeliz que apanhava de todos: punk, careca, metaleiro... Eu saía para as baladas morrendo de medo, evitávamos andar sozinhos, pois vestidos à caráter éramos alvo fácil. A coitada da minha mãe ficava em casa com o coração saindo pela boca, até eu voltar pela manhã. e ela tinha razão, pois muitos grupos saíam só para bater nos outros! Conheço muita gente que apanhou de verdade só porque gostava de um estilo de música, e outros até morreram (felizmente, não da minha turma). Ir à Galeria do Rock era outra aventura, pois você podia facilmente apanhar por estar vestindo uma camiseta de determinada banda e voltar pra casa sem a camiseta e sem os dentes. E as brigas eram muito, muito comuns! Vendo estas notícias atuais eu me lembrei daquela época, pois sinto o mesmo teor de imaturidade babaca misturado à ideia de pertencer a um grupo.
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Hoje em dia saio à noite com o maridão e me sinto mil vezes mais seguro do que naquela época. Corri muito mais riscos de apanhar feio ou até mesmo morrer por ser gótico do que por ser gay. Ando pela noite de SP sem a menor sensação de pânico, madrugada a dentro. Hoje tenho maturidade para saber que não pertenço a tribo alguma, nem da "tribo gay": o que vale é o indivíduo, e não o coletivo.
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Mas uma coisa ficou do adolescente: independente do mundo lá fora, me recuso a deixar de viver minha vida plenamente, por medo.

10 Comentários:

Alexandre Willer Melo disse...

meu deus!
isso mesmo, pus algo mais sintético lá no meu mas sinto e entendo tudo isso da mesma forma que você(s).
acho que é uma corrupção total de valores e uma apologia a violência, ao invés de chocar incita mais ataques seja contra quem for.
também ia nas mesmas casa que você e nas galerias e passava o mesmo medo e já tive de dar umas corridas pra não virar carne moída mas ainda havia, diagmos a grosso modo, 'disputa de facções' e não violência gratuita não querendo justificar o que acontecia na saída do Satã ou Retrô muitas vezes.
e eu também não mudei meus hábitos pois não quero que esses porras ditem como devo me comportar..

Dêco disse...

É lastimável como o ser humano, mesmo sendo um animal racional, possa agir como se fosse um animal, e pior que um animal irracional, pois estes atacam para se defender ou se alimentar e não por diversão. O desejo que fica é que as punições sejam severas e reais.

Unknown disse...

Acho que o conceito de animal racional, que entendemos como elogio, é justamente o contrário, não? E entendo/sei que é praticamente impossível juntar um "coletivo" sóbrio, de bom senso, pra se mudar qualquer coisa, em qualquer assunto. Vi a criação de um grupo que era contra a Mídia corrupta e manipuladora e desde cedo havia facções muito diferentes nesse grupo. Mas ainda assim é preciso. Porque eu acredito que só há mais segurança hoje por causa da visibilidade desses grupos. Poucos saem do armário e se impõem se não houver um "grupo de apoio", se não se virem retratados positivamente na tv, ainda que de sunga e fazendo carnaval na Parada.

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

Eu ainda vejo a PL 122 como uma coisa extremamente necessária. Não q ela por si vá resolver todos os problemas mas torna-se fundamental q isto esteja explicitado em lei para q a justiça possa ter o necessário respaldo para atuar ... o q a lei não configura como crime e prevê sanções, dentro do direito, não pode ser coibido nem punido ... mas a sua contextualização tem o seu valor e a sua validade ... principalmente qdo vc diz que "me recuso a deixar de viver minha vida plenamente, por medo."

Parabéns

;-)

Wans disse...

Eu acho que independente da orientação ou tribos, a violência ocorre hoje por causa da criação atual. É triste ver que a nova geração se sente a vontade de tais atos, já que dificilmente sofrerão consequências.

Unknown disse...

DPNN

Ao chegar ao seu perfil, fiquei indeciso onde deixar este meu comentário e parei aqui.

Muito agradecido por ter deixado o seu comentário tão gentil, à entrevista do Paulo Braccini, no Cova do Urso.

Virei mais logo ou amanhã, com mais clama para o conhecer melhor. Hoje tenho a prioridade de atender os amigos do Paulo.

Abraço

António

FOXX disse...

eu sinceramente não te entendo...

vc diz primeiro que não devemos focar na orientação sexual das vítimas... os agressores não escolheram suas vítimas por causa da orientação sexual delas? se isso é um elemento que faz parte do crime, isso não deve fazer parte da explicação?
é, óbvio, que não é só homofobia que explica os atos, a violência é crime em si, homofobia é o motivo torpe, como racismo ou xenofobia; afinal a lei define que eu "posso" matar uma pessoa em minha defesa, ou na defesa de outrem, a pena será aliviada, enquanto qndo eu mato alguém por crimes de ódio a pena será dobrada, no entanto, a violência é crime nas duas opções.

outra coisa que não entendo...
no fim do texto vc mesmo relembra que era perseguido por ser parte de um grupo, assumir uma identidade, assumir-se parte de algo. na verdade, aqui eu tenho uma pergunta, lendo vc há algum tempo, eu tenho percebido que vc sempre reforça a idéia de que não compartilha com a identidade gay, q vc não faz parte do grupo, que é gay, mas isso, que é gay, mas aquilo, que além de estar casado com um homem, nada mais vc tem em comum com outros gays... minha pergunta é: isso se dá por causa dessa sua participação em grupos góticos? isso foi tão traumatizante assim?

DPNN disse...

Foxx: temos visões de mundo e concepções sobre "ser gay" diferentes, só isso.

Júlio César Vanelis disse...

Claro... VocÊ tem toda razão... A origem de qualquer tipo de discriminação violenta não está no seus objetivos especificos, esses são apenas um pretexto para alimentar algo muito maior e mais perigoso... Infelizmente, enquento isso existir, esses ataques vão continuar, não apenas aos gays, mas a quealquer grupo considerado menos do que o padrão que os agressores criam... Eu ainda acredito que as coisas melhoraram muito, só que hoje os ataques saem no jornal... As pessoas falam como se há 10 anos atrás isso não existisse, existia sim, só não tinha o alcance na mídia que se tem hoje...

Um abraço...
Até o proximo post

Anônimo disse...

Hallo Liebe; (hier bin ich)
Concordo com tudo que disse! E só para lembrar:
And if a double-decker bus, crashes into us. To die by your side is such a heavenly way to die...Well, the pleasure - the privilege is mine!

ich liebe dich!

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