domingo, 6 de março de 2011

Língua Solta, Língua Presa e PL 122

Uma das primeiras coisas que o já – felizmente – finado governo Lula fez, em seu primeiro mandato, foi criar uma cartilha com termos que deveriam ser evitados no vocabulário nacional, pois eram considerados ofensivos e politicamente-incorretos. Ela se chamava “Politicamente Correto & Direitos Humanos. Como se já não fosse absurda a existência da cartilha em si, ela trazia alguns termos até mesmo errados. A reação à época foi de revolta – e gozação – geral na imprensa e a Secretaria Especial de Direitos Humanos acabou abortando a ideia.

Infelizmente essa onda politicamente-correta ainda é presente em muitos meios, e o gay não fica de fora. Uma das maiores bobagens que a gente escuta, e que parece saír pela boca sem passar pelo cérebro, é a história de que o correto é dizer “homossexualidade”, pois o sufixo “ismo” da palavra “homossexualismo” remete à ideia de doença. A única incorreção da palavra “homossexualismo” é a política, e não a semântica. O sufixo “ismo” aparece em menos nomes de doenças do que seus rivais “ia” (pneumonia, lombalgia, paralisia...) ou “ite” (bronquite, faringite, otite), e ajuda a formar substantivos como “romantismo”, “batismo”, “comunismo” (que eu até acho uma doença, rs...), jornalismo, presidencialismo... Câncer mata e não tem “ismo”.

Outra amostra da burrice politicamente correta que era aconselhada: não usar termos como “judiar” ou “judiação”, pois seriam ofensivos em relação aos judeus. Quantas vezes você já ouviu essa asneira? Os pobres judeus já levam a culpa por tanta coisa neste mundo, não precisam carregar mais essa - e nem necessitam de proteção dos novos censores: “judiar” e “judiação” NÃO se referem aos judeus, mas sim a Judas Escariotes! Mais especificamente ainda, à malhação do Judas no Sábado de Aleluia! Por falar nisso, bons tempos em que a gente fazia bonecos de Judas para bater com pauladas e atear fogo... hoje em dia os educadores devem, é claro, repudiar esse tipo de coisa violenta.

A coisa tá preta! Ops, "expressão racista contra os negros, pois associa o preto a uma situação ruim"! Mais outra bobagem: a expressão se refere apenas ao fato de o céu ficar preto antes de vir uma tempestade. E o uso levou a frase a outros contextos em que algo ruim está para acontecer. O preto é sinal de luto no mundo ocidental, gato preto já dava azar séculos antes da Europa conhecer a África. Aliás, sem essa de usar “afrodescendente” como sinônimo de negro. É só burrice geográfica achar que no continente africano só existem negros. Quem viu a recente onda de protestos no Egito percebeu que ele fica na África, né? E que na África do Sul boa parte da população é loira, né? Vamos chamar o Cisne Negro de “Cisne Afrodescendente”?

A cartilha também recomendava não usar os termos “palhaço” e “barbeiro” para ofender alguém, pois seriam pejorativos em relação às respectivas profissões. Chamar alguém de louco? Nem pensar! É ofensivo em relação aos “portadores de deficiência mental”! Puta? Não, “profissional do sexo”! Como diria Silvetty Montila: meu cu!

No vocabulário gay, seriam considerados incorretos termos como “bicha”, “veado”, “boiola”, “sapatão”, “bolacha”... No lugar, eram recomendados apenas “homossexual, lésbica e entendido(a)”. Gay também não é muito recomendado, pois é um anglicismo e nós devemos usar palavras nacionais – como se “homossexual” fosse uma palavra portuguesa... "Gillete" também não, viu? Só “bissexual”. O engraçado é que todos estes termos são usados pelos próprios gays, ops, entendidos, sem o menor problema. Aliás, entendido em quê????

“Aidético” também não deveria ser usado, apenas soropositivo. O problema é que a pessoa pode ser soropositiva para várias doenças, não apenas AIDS – e você estaria sendo preconceituoso às avessas... Eu me diverti com o verbete sobre os anões. Vocês sabem que eu morro de medo – de verdade, fobia mesmo – de anões. A cartilha diz que não devo chamá-lo de “anões”, mas sim de “verticalmente prejudicados”. Dá mais medo ainda.

Ah, a cartilha também condenava chamar alguém de “comunista”, pois “contra eles foram inventadas calúnias para justificar campanhas de perseguição que resultaram em assassinatos em massa, como durante o nazismo na Alemanha”. Chamar de "nazista", "direitista reacionário", "elitista" e outras bobagens do vocabulário “esquerdista”, sem problema.

O preconceito está na palavra ou no seu uso? É uma questão polêmica. O PL122, por exemplo, diz que:

“Art. 20-A. A prática dos atos discriminatórios a que se refere esta Lei será apurada em processo administrativo e penal, que terá início mediante: I - reclamação do ofendido ou ofendida; II - ato ou ofício de autoridade competente; III - comunicado de organizações não governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.”

O que isso significa? Significa que eu posso não me sentir nem um pouco ofendido com um comentário ou uma situação e levar tudo numa boa, mas se uma ONG ou um grupo militante qualquer pensar o contrário, a pessoa que brincou comigo vai para a cadeia, mesmo que eu não me considere vítima de preconceito algum. Eu acho isso grave.

Aliás, um dos pontos do PL122 que eu acho mais surreais diz que:

"§ 5º O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica.”

Que raios eles querem dizer como “de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica”? Violência filosófica? Faltei na aula de filosofia gay...rs... sem falar no cacófato de ética gay...

Preconceito não é o mesmo que intolerância, assim como nem toda manifestação contrária à homossexualidade é homofóbica. Tenho um artigo com uma análise semiótica sobre o PL122, mas é meio chato e técnico demais para colocar aqui. O que importa é que o projeto não se sustenta se submetido a uma análise lógica.

Resumo da ópera, para encerrar um post longo em pleno carnaval: não é proibindo o uso de expressões que se muda a realidade – pelo menos, não para melhor... Censura é sempre censura. Algo errado não passa a ser correto só porque - supostamente - me beneficia. Isso é ética, mas será que é isso que se ensina no tal manual de ética gay?

8 Comentários:

Anônimo disse...

Caraka,acreditava que o verbo judiar vinha de judeus.
Outra coisa,que me chamou a atençao foi anoes.Verticalmente prejudicado.kkk.Desculpe,mas nao daria para ficar sério se eu escutasse alguém falando isso.
Beijos,meninos.

Unknown disse...

É complicado citar no meio desse exemplo o sufixo "ismo". O problema dele não é a prática atual, mas, histórica.
Ele ficou confinado, não se sabe direito a razão, durante dois séculos seguidos, os XVI e XVII, e nem era reconhecido como um sufixo até então. Embora, antes daquele período, algumas pouquíssimas palavras, como "batismo", já tivessem sido criadas e pronunciadas.
A partir do séc XVIII, o uso começou a dar forma, porém, limitado ao campo da medicina, inicialmente às doenças de origem tóxicas, mas tomando proporções como a que conhecemos muito bem.
Foi como a língua culta, nos séculos XVIII e IX, influenciada pelo movimento intelectual da França que o uso passou a ter um tom chique e comum. Até a inserção do sufixo na gramática da língua portuguesa lá pelos idos de 1800 e alguma coisa.

Wans disse...

Eu confesso, não digo ismo para homossexuais. Já e acostumei. Tb não gosto de aidético. Acho forte. Agora, eu acho aquele ator anão Peter Dinklage um fofo. Acredita?

DPNN disse...

Wans e Junnior
O problema maior, ao meu ver, é que as pessoas sempre usaram o termo "homossexualismo" com o mesmo sentido de "homossexualidade". Mas depois que ele foi considerado "maldito", os indivíduos que se opõem ao homossexual passaram a usar de forma intencional apenas o "homossexualismo", com o sentido pejorativo que conhecemos atualmente. Ou seja, a censura acabou dando mais significado ao termo "proibido" do que ele originalmente tinha.

Lobinho: o "inho" do seu apelido não se refere a um anão, né?

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

Ai meu Cu como diz a dupla DPNN! Eu não tenho nada para comentar a não ser q esta percepção do contexto é perfeita, mas não desqualifico a necessidade da PL122 ... infelizmente ela é necessária neste país de trogloditas tupiniquins ...

bjão querido ...

ps: tem alguns pornôs q eu CHORO literalmente ... rs

cubcub disse...

Concordo c/ a parte do uso das palavras e não do significado das mesmas. Já ouvia o meu tio zoando da cara de um cabeleireiro gay, que era amigo da minha mãe, certa vez.

- Ah, esse é seu amigo "cabeleireiro"? *tom de ironia*

Se for assim não pode mais chamar ninguém de nada, só pelo nome, x)

Gui disse...

Acho que tudo passa pelo crivo do bom senso, não é?

Exemplo clássico é a 'n-word' nos States.

O problema é: como confiar no bom senso de uma população que se já mostrou tão falha nesse aspecto?

Gabriel Alves disse...

Direitos humanos são sempre de iniciativa da esquerda e protestado pela direira. Por que seria? Estou do lado que tenta melhorar o mundo, não do que tenta fazê-lo permanecer como está.

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