Nosso Paredão DPNN está de volta! E a primeira edição do ano traz uma entrevista exclusiva com Josiane Veiga, autora da trilogia GLS "Rendição Redenção Remissão". Extremamente simpática, ela fala aos DPNN sobre literatura, universo gay, preconceito, polêmica e futebol! Para os fãs, uma bela oportunidade de saber mais sobre a bela gaúcha, para quem ainda não conhece, uma chance de descobrir o universo da autora e correr para ler sua obra!
DPNN: Para começar, muito obrigado pela entrevista. Para iniciar nossa conversa, com faça uma pequena apresentação aos nossos leitores:
Josiane Veiga: Primeiramente, quero agradecer ao blog pela oportunidade. Quando entrei em contato com vocês, não esperava um convite para entrevista, e fiquei verdadeiramente honrada, especialmente porque o “DOIS PERDIDOS NA NOITE” é hoje uma referência ao público GLS. Bom, e sobre mim? Sou Josiane Biancon da Veiga, tenho 28 anos – feitos no final de janeiro –, gremista, gaúcha, de origem italiana. Sou extremamente amigável, mas ao mesmo tempo desbocada. Sou cristã, apesar das religiões. Também sou alguém muito focado a arte, amo museus, exposições, teatro, etc. Sou excêntrica, detesto vulgaridade e promiscuidade. Ainda acredito no amor, seja ele vindo de uma mãe, cachorro ou de qualquer pessoa. Jamais fico neutra sobre qualquer assunto, sempre exponho opinião. Por isso, talvez, costumo atrair bastante crítica.

DPNN: Apesar de ser relativamente jovem, você já tem uma produção literária bem vasta. Como começou sua carreira de escritora? E como conciliar a literatura e o trabalho, já que são poucos que conseguem sobreviver do trabalho como escritor?
Josiane Veiga: É verdade. Tenho cinco livros lançados, um em andamento, vários na mente a serem escritos, mais de cinquenta fanfics... Realmente, é uma produção enorme para alguém de vinte e oito anos.
Comecei jovem. Li meu primeiro livro mais ou menos aos dez anos, e aos doze já vencia um concurso escolar de literatura, contando uma história de amor entre espíritos. As datas não são bem nítidas, mas A CAMINHO DO CÉU (meu primeiro livro) foi publicado para o município em 1997. Desde então não parei mais. Escrevia durante as aulas, e em casa nos momentos de folga. Depois que comecei a trabalhar, escrevo no horário de almoço, ou à noite, logo após o jantar. É desgastante e às vezes penso em desistir, mas então recebo algum e-mail com comentários sobre minhas obras e sinto a força se renovar. Ser escritor no Brasil é ter que saber viver com a decepção de não receber nenhum incentivo financeiro. Viver de sua literatura é coisa para poucos, e eu não estou nessa lista.
DPNN: Você é heterossexual e é autora de uma trilogia abordando o universo GLS, a Rendição/Redenção/Remissão. Como surgiu a ideia de adotar esta "causa"? As pessoas se surpreendem ao descobrir que você não é gay? Já sofreu algum tipo de preconceito - tanto do público gay quanto do heterossexual por conta destes livros? Conte um pouco para nossos leitores a respeito da trilogia.
Josiane Veiga: Meu amor por esse universo não é recente. Meu primeiro casal gay foi Shurato e Gae do anime Shurato que passava na extinta rede Manchete. Eu tinha lá uns dez anos, e me via completamente apaixonada pelo par. Na época era inocente demais, mas já notava o quão forte era o sentimento que os unia. Na escola, meus colegas os chamavam de “bichinhas” e eu me via desesperada a defender o amor deles. Era estranho, ainda mais para uma criança. Contudo, onde as pessoas viam horror, eu enxergava amor. Em meados de 1998 ganhei meu primeiro computador, e comecei a procurar com afinco informações sobre eles. Descobri o YAOI (é um gênero de publicação que tem o foco em relações homossexuais entre dois homens), e me tornei “fushoji” (mulheres fãs de Yaoi). Esse início claramente me deu uma visão sexual da vida um pouco diferente de que têm a sociedade. Não vejo o amor por sexos, e sim por sentimentos. Se eu sentia que personagens se apaixonavam, não me importava se eram dois homens, duas mulheres, ou um homem e uma mulher... eu torcia por eles! Eu tenho livros de amores Homo e Heteros. Dedico a eles o sentimento de autora igualmente, sem distinção. Até porque, não importa o gênero, tento construir personagens fortes em todas as obras. Sim, as pessoas se surpreendem ao descobrir que não sou gay. Algumas ficam encantadas, outras revoltadas. Normalmente os heterossexuais me olham como uma pervertida, e pensam que a trilogia necessariamente é uma obra voltada a pornografia. Existe também uma pequena – ainda bem! – parcela do público GLS que pensa que só gays podem escrever sobre gays. Todavia, eu sou uma autora de ficção, e não preciso necessariamente ter vivido o que os personagens viveram para poder falar sobre eles. Mas, a verdade é que a grande maioria adora. Principalmente os mais jovens, que estão ainda “se descobrindo”. Não posso negar que adoro o carinho que recebo, os comentários, as declarações de amor... Esse sentimento com certeza sobressai todo e qualquer comentário e crítica maldosa que recebi. Bom, sobre a trilogia:

Rendição: A história é centrada em Ken Takeshi e Kazuo Ninomura. Os dois se conhecem ainda crianças no escritório de uma agência de talentos, e o amor nasce instantaneamente. Eu lido com o fato de que são almas gêmeas, sem medo do quanto isso pode parecer piegas.
Ken vem de uma família amorosa, que aceita o filho do jeito que ele é, mas Kazuo não. Este último sofre tortura psicológica e física dos pais, e se torna um adulto inseguro, incapaz de entender e aceitar os próprios sentimentos. Rendição é focado nessa aceitação, e todo o plano de fundo é a indústria do entretenimento.
Redenção: Seis anos após Rendição, Ken e Kazuo já moram juntos. Ambos ainda fingem para o mundo que são heteros, mas Ken está farto da situação. Começam as crises. Não posso entregar muito, mas é minha melhor obra, sem dúvidas. Todas as questões sobre o comportamento dos protagonistas em Rendição são esclarecidas nessa obra, e eu me aprofundo no passado de Kazuo, contando o horror que viveu.Remissão: O livro que encerra a trilogia ainda está sendo escrito. Estou no momento no capítulo 10.
DPNN: Conhece os trabalhos de outros autores de literatura gay? Há algum que tenha influenciado o seu trabalho? Quais escritores foram fundamentais na sua formação de leitora e agora como escritora?
Josiane Veiga: Apesar de ser um gênero que sofre muito no Brasil, não tendo muitas oportunidades de divulgação, eu conheci duas autoras fantásticas. Samila Lages (com a Lenda de fausto) e Rafaela Rocha (com Escapismo). Os autores que foram fundamentais no meu crescimento são Moacyr Scliar, Érico Verissimo e Alexandre Dumas. Mas, dos três, foi Scliar meu mestre. Eu devorava seus livros, adentrava em suas obras, amava tudo que ele escrevia.
DPNN: Como é o contato com seus leitores? Recebe cartas, e-mails de pessoas que se identificam com seus romances?
Josiane Veiga: Meu contato é extremamente estreito. Eu recebo muitos e-mails e cartas. Muitos. É incrível, nunca pensei que seria assim. Rendição, assim que foi lançado, começou a vender de forma surpreendente. Sei de gente que comprou e emprestou para os colegas de faculdade... O livro foi lido por uma turma inteira e cada um deles me mandou um e-mail. Recebi depoimentos comoventes de pessoas que foram vitimas de pedófilos na infância e – assim como meu personagem – não conseguem se abrir com ninguém, vivendo numa eterna dor muda. Outra pessoa me escreveu contando que se prostituiu na adolescência e que por causa de uma das minhas personagens, hoje tem esperança no futuro. Fora os que se apaixonaram pelos personagens. Aiko, um dos membros da banda Jishu ao qual Ken e Kazuo fazem parte, é disparado o personagem mais amado.
DPNN: O Japão é cenário da sua obra, tanto nos romances quanto nos trabalhos de fanfic. Qual é a sua relação com o país? Como você diferencia seus textos mais autorais em relação aos de fanfic, já que neste último, de certa forma, a liberdade de criação tem de respeitar a verossimilhança a personagens e histórias já conhecidas pelos fãs. Ser escritor é sempre ser autor? Josiane Veiga: Amo o Japão. Mas, ele não foi o único cenário dos meus livros. Em A ROSA ENTRE ESPINHOS eu trabalhei a Inglaterra, e em A INSIGNIA DE CLAYMOR o cenário é a França medieval. Contudo, sim, eu prefiro falar sobre o Japão. É um país que sempre me atraiu de várias formas.
Sobre a diferenciação: fanfics são homenagens a obras que eu gosto. Tento ser o mais fiel possível ao autor original. Já nos meus livros e textos posso escrever o que eu quiser, criar a vontade, sem me ater a nenhum enredo pré-traçado.. Ser escritor é sempre ser autor? Uau, que pergunta! Realmente não sei definir.
DPNN: Você adora abordar questões polêmicas em seus livros. Além de romance entre gays no Japão, você já abordou questões como violência sexual, suicídio e até pedofilia. O que você acha desta onda politicamente-correta atual que tenta censurar até as piadas? Há algum limite para a arte? Existe algum tema sobre o qual você não escreveria?

Josiane Veiga: Alguém precisa falar sobre esses temas. Então eu falo. É simples assim. A grande maioria dos autores não tem coragem. Quando chegam a algo que possa fazer a sociedade torcer o nariz, eles simplesmente ignoram o tema. A triste realidade é que a maioria quer agradar editoras e leitores sem grande senso crítico. Por exemplo, em Rendição eu falo de aborto. É um tema polêmico, quase nenhum autor quer falar porque pode atrair críticas de ambos os lados (dos liberais e dos conservadores). EU, Josiane, SOU CONTRA o aborto. Contudo, e quando não há escolha? O que uma prostituta sem família, sem dinheiro, sem apoio e sem amor próprio pode fazer caso engravide? Ela não é capaz de amar nem a si, seria capaz de amar a uma criança? Colocar algo assim num livro cria uma situação que não agrada a muitos: pensar e se colocar na posição do personagem. É muito simples ser contra algo – contra os gays, por exemplo – quando um filho não é gay. Mas, caso seu bebê um dia chegasse a você e dissesse “mãe, amo outro homem”, será que o amaria menos? A onda politicamente correta é algo tão hipócrita que sequer dá pra mencionar. Aliás, o “correto” sempre foi falso. Basta olhar a Igreja que crítica os homossexuais, mas é assolada por casos de pedofilia. Ou as religiões que declaram amar o próximo, mas fazem campanha em rede nacional para que seus fiéis “metam o porrete” em homossexuais.
DPNN: Qual a contribuição da crítica, de um modo geral para a literatura? E para os escritores? Você acompanha as resenhas, tem vontade estrangular alguns comentaristas ou lida bem com isso?
Josiane Veiga: Sim, eu acompanho as resenhas. Eu acho importante, fico feliz quando alguém resenha meu livro, afinal, considero que a obra foi importante o suficiente para o leitor ter tido a vontade de comentar sobre ela. No meu blog até tento manter um arquivo com os links das resenhas que encontro pela rede. Contudo, muitas vezes não sou avisada de que meus livros foram resenhados, e acabo não podendo agradecer ao resenhista. Já tive vontade de estrangular sim, rsrsrs. Afinal, senti a má vontade do leitor em ler o livro. Tipo, se não te agrada ler sobre dois homens fazendo sexo, por que comprou a obra? Algo como “fiquei chocada com os dois transando e acho que a autora descreveu excessivamente a cena” é ofensivo para mim.
DPNN: Muita gente já decretou a morte do livro, mas ele sempre resiste, e hoje em dia se reinventa por meio da internet. Como você utiliza essa ferramenta na criação e divulgação do seu trabalho? O que acha dos blogs e sites literários?
Josiane Veiga: Muita gente compra e-books. Tanto o Bookess quando o Clube de Autores lançaram meus livros à venda por e-books. Eu, como leitora, prefiro o papel. Aquela mágica de se deitar na cama após um dia exaustivo e ler um livro enquanto sonha com seus personagens. Mas, como cada um é cada um, fico feliz quando alguém lê meus livros não importa o formato. Acho que o autor tem que se adaptar a tudo, especialmente aqueles que estão em busca do seu lugar ao sol – meu caso.
DPNN: Para terminar: futebol! Você é gremista, ao que me consta, torcedora de verdade, daquelas que curtem acompanhar o time do coração. Por que o futebol não costuma ser tema da literatura? Esporte em geral costuma render boas histórias, não é incrível que o mais popular dos esportes não tenha tanto espaço na literatura? Já pensou em escrever algo sobre seu time?
Josiane Veiga: Ah, eu AMOOO futebol. Eu nasci no estádio, né? Minha mãe estava acompanhando a um jogo quando sentiu as dores, foi às pressas para o hospital e deu a luz enquanto Yura (ex-jogador do Grêmio) fazia o gol da vitória. Cresci nesse mundo apaixonado pela bola, dou muita importância ao meu time, etc. Mas, acho que escrever sobre futebol é algo realmente difícil. Mas, não impossível. Quem sabe um dia, não?
DPNN: Agora umas rapidinhas
Melhor livro que já li: O senhor dos Anéis.
Pior livro que já li: A cabana.
Um escritor que eu gostaria de ter sido: Moacyr Scliar.
Primeiro livro que li: Sozinha No Mundo - Marcos Rey
Último livro que li: O guia do mochileiro das galáxias.
Se eu fosse uma personagem de um livro, seria... Por quê? Live – Guardians de Luciane Rangel. A garota é uma guerreira defensora do signo de Aquário, e foi adotada por duas mulheres. É forte, brava, sem medo, e ao mesmo tempo doce e delicada, capaz de ver o amor e aceitar o sentimento das duas mães sem qualquer preconceito ou vergonha. É a melhor personagem da Luciane, na minha opinião.
Josiane Veiga: Mais uma vez, obrigada pela oportunidade!
Gostaram da moça? Quem quiser saber mais sobre ela, ou conferir seus livros, aqui estão seus contatos: